De todo jeito vim escrever ao menos hoje sobre oque aconteceu dia 25, o assalto.
Devo começar não pelo assalto em si, mas, afim de que entendam oque aconteceu, e como aconteceu, devo começar pelo inicio... e acho que o inicio é a manhã do dia 25. Mesmo sem nenhuma vontade, segundo eles mesmos, Heros e Fernano foram a Olinda. Fernando, até o ultimo segundo, tentou e tentou parar... fez cena, tentou se atrasar, mas, no final eles foram. A idéia inicial era eles irem de Olinda direto ao Recife Antigo... eu tinha vontade de ir ao Recife antigo, mas não de ir a Olinda, assim, eles iriam me ligar quando chegassem lá, nos encontraríamos e tudo estaria bem. Mas o tempo começou a passar e eu comecei a achar que não ia rolar mais nada. Eles estavam demorando, o dia escurecia e nenhuma noticia... pensava que provavelmente tinham esquecido ou estavam impossibilitados de ligar. A internet tinha voltado (voltou uma ultima vez antes de acabar para sempre, acho) e falei com o André, enfermo na Várzea, até que, por volta das 7 da noite eles apareceram.
Tiago estava sangrando e o Heros estava Bêbado. Fernando estava acabado e a Lena não estava com um astral muito elevado... não esperava vê-los em casa, mas devido ao acidente com o Tiago lá estavam eles.... Tiago tinha caído numa boca de lobo. A canela dele estava ralada até o osso quase. Arranjei uma toalha e ele foi tomar um banho (ele estava sujo ainda do lance). O banho iria começar a limpar a ferida e tirar a areia que ele tinha no corpo.
A Nilza me contou oque tinha acontecido. Ele tinha caído depois de muito reclamar para voltarem pra casa. Sangrando, o grupo arrumou um taxe e voltaram até boa viagem.
Interessante é que nem mesmo isso havia feito com que eles desistissem de nada. Todos queriam ir para o RA. Não tinha atrações, todos estavam com cara de acabados, principalmente o Heros, que, enquanto Nilza falava comigo ele simplesmente deitou no chão e dormiu, acordando e dizendo que precisava ir pra casa. Me ofereci para ir com ele ao ponto, mas ele aparentemente se deu conta de onde estava e disse que queria, que precisava ir para o RA.
Tiago saiu do chuveiro e eu limpei a ferida, coloquei curativo e enrrolei tudo com ataduras. Me lembro que na hora mesmo eu me assustei enquanto fazia isso, pois, o sangue continuava a fluir... era eu limpando a ferida, que já tinha sido aberta há algum tempo, e mesmo assim o sangue ainda fluía muito. Como dizemos em RPG eu bandeidei ele e tanto o próprio Tiago quanto as meninas foram em casa, para se arrumar e pegar dinheiro para comer algo, acho.
Fernando foi para o banheiro e o Heros caiu no sofá. Enquanto isso preparei um jantar rápido pra mim mesmo (todos iam comer na padaria, mas, sinceramente, como eu estava com pouco dinheiro resolvi comer em casa). O Heros, no entanto, vendo eu preparar a comida, olhou com uma cara tão grande de pidão que eu acabei dando o jantar pra ele e fazendo um outro pra mim.
Fernando vendo eu preparar comida quis nos apressar, mas ainda demorou até que Nilza, Lena e Tiago voltassem e nós descêssemos.
Eu tinha tirado o plástico da carteirinha de dentista e colocado o dinheiro lá dentro, fui com a minha calça preta de shows e junto com uma camisa preta do Iron estava fantasiado de mim mesmo nos tempos áureos. De documentos levei uma xérox de identidade e uma carteirinha vencida da Unimed (pensei que se estivesse sozinho e achassem a carteirinha saberiam onde me levar). Lá em baixo encontramos com todo mundo, nos despedimos de Seu Roberto que nos aconselhou a ter calma e brincar o carnaval com segurança e fomos.
Eu ainda pensava em voltar em casa... eles iam comer na Carmem, eu não, mas tinha levado 50 Reais... pensava em comprar pães, presunto, queijo e quem sabe algum bolo ou coisa assim, trocar o dinheiro e deixar a comida em casa, já que estávamos sozinhos e a comida já estava acabando... assim estava mais indo pra comprar o café da manhã e enquanto eles estivessem comendo eu voltaria pra deixar as coisas e levar o mínimo de dinheiro possível pro RA.
Infelizmente o mais próximo que chegamos ao Recife Antigo naquele dia foi um pouco depois do China In Box.
Tudo é meio confuso porque REALMENTE foi rápido. Saímos em direção à Carmem do nosso lado da rua. Eu era o mais atrás, logo na minha frente estava o Tiago mancando. O Fernando estava logo ao lado dele e mais próximo à rua estava o Heros. As meninas estavam lado a lado um pouco mais à frente de nós fuxicando como sempre... e digo, foi isso que salvou elas.
Heros usava uma carteira na cueca, amarrado na cueca mesmo, por ser bem escondida o Tiago guardava com ele algum dinheiro de Olinda. Eles estavam falando sobre isso, sobre dar o dinheiro do Tiago e quanto dinheiro ainda tinha quando aconteceu. Eu estava olhando pra frente e ao invés de ver as cinco pessoas que estavam comigo vi mais duas. Uma delas indo direto ao Heros... pensei que fosse algum amigo dele, eu ouvia o cara falar alto e tal, mas pensava até aquele momento que era algum amigo e que isso era brincadeira; até que eu vi a arma. As armas.
Ou muito me engano ou era uma .22 e era um revolver, não uma pistola. Me lembro de olhar pra arma confuso, sem entender oque estava acontecendo. Parei e a primeira coisa que eu fiz foi afastar as mãos do corpo, vi que todos faziam isso. Ele foi direto no Heros, mas deixava a atenção voltada pra todos nós. Vi o Tiago, o Fernando e eu mesmo fazendo o mesmo sinal de afastar as mãos do corpo. Um, dois, três... onde estão as meninas? Vi ainda elas seguindo encolhidinhas. Gelei... sério, porque os assaltantes podiam entender aquilo mal, torci pra que não desse nada errado quando o cara veio pra cima de mim.
Havia tirado as coisas do Heros, eu vi a arma e só pensei nos nossos amigos que foram, sério mesmo, só pensei nisso. Respirei fundo e passei pro cara o meu dinheiro, até as moedas que eu tinha separado para o ônibus. Um após o outro, Tiago e Fernando deram seus pertences. O outro assaltante, na moto, com uma outra arma, gritava o tempo todo para o que nos abordava ser mais rápido. De uma hora pra outra, assim como tinham vindo, eles se foram. Olhamos a moto ir, pois, fiquei com medo de que na saída eles atirassem ou algo assim, depois, formos até a esquina e encontramos as meninas no Rei dos Galetos.
Nesse momento o Heros tava calado, o Tiago tava calado, as meninas tavam abaladas, o Fernando tava com uma cara de puto e eu estava hiperativo falando demais, repetindo oque tinha acontecido. Mas entre as coisas que eu falei era pra gente ir pro prédio, pois, aqui tem rádio da policia e podíamos chamar as autoridades.
Falamos com seu Roberto, que estava surpreso com a nossa volta.
Dois homens numa moto branca. O passageiro com um capacete branco e o motorista sem capacete. Ambos bem vestidos indo em direção da favela da xuxa (oeste).
Fernando ficou com seu Roberto passando o rádio para a Policia e o resto de nós ficou no Hall. Heros sentou no sofá e chorou... chorou mesmo, tentei consola-lo mas ele estava abalado. Nilza sentou com ele e ele abraçou ela chorando mais.
Subimos, cada um agiu de uma forma diferente. Bebemos água e ficamos jogados na sala, Heros ainda chorava mas sabia que tinha que bloquear os cartões então se recompôs.
Mesmo a gente ainda ficava mal... por um tempo a gente ficava bem, sem pensar nisso, mas depois voltava a sensação de desamparo que vinha de um assalto assim. Temos todo dia histórias de coisas assim que dão errado por nada, e acho, que cada um de nós à sua maneira, estava encarando sermos expostos à mortalidade como tínhamos sido.
Qual a minha idéia nesse momento? Ligar pro André... imaginei que ele devia estar se sentindo mal por estar operado e fodido em casa, mas, ouvindo do que ele provavelmente tinha escapado caso estivesse conosco achei que ele ia se sentir melhor.
Heros começou a cancelar os cartões, chorando de vez em quando e muito nervoso falando com as assistentes. Me lembro de uma hora ele deixar isso bem claro pra elas. “Desculpa moça eu estar falando assim, mas eu ainda estou muito nervoso” ele disse em uma hora lá.
A título de conhecimento do Heros levaram apenas, em dinheiro, 2 reais.
As meninas falaram pouco; Tiago também; Heros chorava e estava nervoso e Eu ficava repetindo que os caras eram profissionais e ainda acho isso. Eles nos abordaram rápido, estavam calmos, usaram as armas, mas sempre apontaram as armas pro chão,
Depois dessa acabou. Fui fazer comida pra todos nós, um verdadeiro jantar, já que ficaríamos em casa (depois disso, acabou tudo de comida da casa).
Comemos, assistimos DVD (Gigolô por Acidente 2 e Jarhead).
Pra não preocupar meus pais viajando não dissemos nada, nem Tiago nem as meninas falaram nada em casa também.
O Brasil é assim mesmo e eu acho que de certo modo isso foi bom pra que eles ficassem ligados. O Bom não deve ser encarado de uma forma errada nessa frase... isso não é bom, nunca é e nem pode ser, mas, é Bom porque aconteceu tudo e não aconteceu nada... sei que eles já tinham noção, mas assim deu pra ver com todas as letras que aqui não é Pokemon.
Aconteceu tudo e não aconteceu nada... AWAY!